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CapicSem querer adiantar o sofrimento, lembrei-me da balada que sempre acontece no fim da tarde de sábado no clube da cidade, nós vivíamos tentando entrar quando éramos menores de idade, a gente cresceu imaginando como era e o que acontecia lá dentro, acho que o que nos chamava atenção naquele lugar era simplesmente a curiosidade despertada em nós, não saber o que acontecia e o “perigo” que nos rodeava toda vez que tentamos entrar era o que nos divertia, enquanto erámos proibidos não desistimos e tentávamos todo sábado driblar a segurança, até que maiores e livres para frequentar aquele lugar nós até combinávamos, mas nunca fomos, aquilo não era mais tão interessante.
Naquele sábado eu e o João conhecemos o interior do lugar que durante muito tempo esteve presente no nosso imaginário, sabe quando você recebe um presente ainda embrulhado, fica ansioso para abri-lo e explode de alegria ao rasgar o papel e quando abre vê aquela camisa gola polo azul marinho, cor que você detesta? Pois bem, quando não podíamos entrar, aquele lugar era o presente embrulhado esperando a hora de ser aberto, e agora que finalmente entramos percebemos como é bom alongar a alegria de simplesmente ganhar o presente, realmente aquele clube não nada do que imaginávamos. Ficamos lá ouvindo uma banda muito ruim tocar até às sete da noite, quando de saco cheio dos bêbados inventando uns passos muito esquisitos e posando de rico pagando tudo, desde a bebida que consumia às cadeiras quebradas em tombos que, confesso, nos fizeram rir no inicio, resolvemos sair e fomos sentar na praça em frente ao clube, a praça estava quase vazia, na verdade além de nós dois havia apenas um casal e a garota mais chata da escola, a mais chata e mais linda também, enfim a Lila era o tipo de garota que se quer perceberia nossa presença.
- Viu a Lila? – O João tentou chamar minha atenção, quando percebeu que meus olhos não desviaram da garota.
-O quê? A Lila? Vi Sim? Mas não estava olhando para ela.
- Eu sei, você estava olhando aquele pássaro azul bonito lá atrás, não é?- O João tentou fazer piada.
- Que pássaro? Há, o pássaro? Era, bonito não acha?
- Se houvesse o pássaro azul eu até concordaria, mas não passou pássaro nenhum. Confessa, Cayo, faz tempo que eu tenho percebido uns olhares mais intensos entre você e a Lila na escola.
- Tudo bem, eu tenho olhado sim, mas ela nunca me enxergou.
- Vai lá falar com ela.
- Não, tomar um fora dessa garota em praça pública e na situação em que eu me encontro não dá.
- Realmente a praça é pública, mas não sei se percebeu, não tem ninguém aqui além de nós e aquele casal que com toda certeza está ligando muito pouco para o que acontece em volta deles.
- Você vale por mil na hora de zoar, João – Ele nunca perde a piada, e não perderia se eu tomasse o fora que ele parecia realmente não acreditar que eu tomaria.
Mesmo não indo falar com a Lila eu fui zoado, ela nunca ia querer nada comigo, da turma eu era o menos cotado para um relacionamento com ela, mas que eu queria isso eu não podia negar. Ela atendeu o celular, falou umas poucas palavras, esperou mais um minuto e um carro surgiu do nada e levou o que eu tinha visto de mais lindo naquela noite. Novamente meus pensamentos me levaram para longe da zoação do João, eu lembrei o perfume dela, não que eu o tenha sentido naquela noite, ela estava longe demais, porém aquele perfume estava gravado, na escola ela fazia questão de está sempre bem perfumada, então eu comecei a perceber que ela não me atraia apenas por ser uma menina bonita, o que eu sentia não era só a atração comum de um garoto por uma garota, mas eu não compreendi o sentimento, ela era linda, mas sua personalidade, seus comportamentos e alguns valores nos distanciavam muito. Eu quis fugir da ideia de está apaixonado.
- Ei, cara! Está tarde, vamos embora daqui a pouco é domingo, você que já está até sonhando não vai ter problema algum, mas eu estou cansado, pensa que é mole falar a noite toda com os bancos da praça?
- Já é tarde mesmo, não acredito mas talvez hoje eu encontre meus pais, é possível que eu ainda esteja acordado quando eles voltarem para casa. Nessa semana eles trabalharam dobrado.
- É possível?
- Parece que é, impossível para eles é ser pai e mãe.
O João nunca deu opinião quando eu falava dos meus pais e isso me fazia bem, ele sempre foi ótimo ouvinte e as vezes melhor que alguém que fale é quem nos deixa falar. Com João era assim, pelo menos quando se tratava do meu relacionamento com meus pais. Exaustos fomos para casa, o caminho silencioso explicitava as horas avançadas, nós não nos esforçamos para violá-lo.
Cheguei em casa e como esperava meus pais ainda não haviam chegado, fui deitar agora o que não saia da minha cabeça era a menina linda que até a noite de hoje era apenas a patricinha bonitinha da escola.
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Antes de ir para o quarto, era nove da noite e ainda estava sozinho, resolvi deixar um bilhete na geladeira avisando da viagem dos meninos e que não iria à escola na manhã seguinte.
Amanheceu, na noite que findou eu consegui dormir, talvez de cansado, mesmo menos agitado com tudo que o João havia dito, o sono só me venceu quando meu corpo se viu exausto.
Acordei com minha mãe fazendo o que ela nunca tinha tempo para fazer, se despedindo de mim.
- A mamãe já está indo, você vai ficar bem? Eu sei que os meninos estão indo embora hoje, eu li o recado na geladeira... – Ela me beijou como se quisesse me consolar – Você vai ficar bem mesmo?
Disse que sim, mesmo tendo dúvidas, mas se dissesse que não, ia ser do mesmo jeito, foi sempre assim, a Maria é que sempre me ouvia, depois de muitas conversas ela me confessou que inúmeras vezes me procurou para conversar por que era a primeira recomendação da minha mãe. Naquela manhã foi à Maria que eu confessei meu medo de ficar sozinho de novo.
Nove e meia, se eu quisesse me despedir dos meninos já era a hora. Quando cheguei na casa deles o João já estava lá, nos abraçamos e desejei sorte para os dois, foi só o que eu consegui dizer, queria ser forte e se fortaleza significa não chora eu fui, mas se ser forte é não sentir uma força te comprimindo por dentro , então eu não fui por que a cada segundo que passava no relógio meu coração ficava menor que as possibilidades. Eu não chorei, mas para isso não falei nada. Nem naquela hora nem o dia todo, o silêncio segurou minhas lágrimas. Ouvir também me faria desabar por isso também não vi o João depois disso, eu não queria chorar, como se isso fosse me fazer mais forte. Não, aquilo era um sofrimento desnecessário, a noite na minha cama bem mais cedo que de costume, eu lembrei que o Michel nunca nos pediu para parar de externar nosso sofrimento, ele nos fazia acreditar que aquilo não era o fim. No primeiro ano de nossa amizade no dia dos pais, houve uma comemoração na escola e todos os pais foram convidados, todos os alunos deveriam homenagear o seu, valia a nota de Ética e Religião e pela produção dos textos também receberíamos nota de produção textual, enfim eu fui obrigado a também escrever um texto, no dia todos os pais estavam lá, todos acompanhados de seus pais, eu não, meu pai esqueceu quando começaram as apresentações eu ainda resisti um pouco, mas sai da sala, o Michel me encontrou no corredor chutando os armários, ali eu o conheci do jeito que ele se tornou importante para mim, nós conversamos horas, sobre o direito que eu tinha de sentir raiva , de querer explicações, de exigir explicações,  quando terminou a aula ele me deixou em casa, como disse. Nossa diferença de idade é de apenas um ano, mas mesmo assim o Michel parecia ter experiência de pai, ele saberá e será um bom pai. Eu chorei.
Nos dias seguintes eu já me preparando para também ficar sem o João, faltei aulas duas seguidas, na quinta feira o João me ligou avisando da prova de matemática, foi a minha primeira e única aula naquela semana na sexta seria feriado.
No sábado nove horas da manhã ainda estava dormindo, quando a Maria me acordou dizendo que um amigo estava me esperando, era o João ele não me esperou e subiu para o meu quarto.
- Que horas você terminou a prova Cayo? Eu sai dez e quarenta e você parecia ainda ter muitas questões para fazer?
- É, confesso que não consegui me concentrar, mas deu tudo certo, acho que vou ter boa nota...
-Achei que você estava me evitando, nós ainda temos uma semana até que eu vá embora, Cayo.
- Eu estava sim, queria ver se vou suportar voltar a ser o esquisito que eu era antes.
- E então?
- Ainda não tenho certeza.
-Vai levanta , vamos sair
- Para onde vamos?
-Qualquer lugar, embora já tenha algumas idéias boas para o dia de hoje. Vamos no caminho a gente decide.
- Você se responsabilize, eu não estou em condições de decidir nada.
- Está bem, vamos.
Já era onze horas quando eu finalmente estava pronto para sair. Sem rumo nós achamos que a primeira coisa a se fazer era matar a fome, então fomos almoçar de novo na lanchonete do Seu Emanuel, no cardápio novamente grandes porções de batata frita para recordar os velhos tempos. Depois disso conversamos caminhando na rua que crescemos e que conhecíamos tão bem. Eu percebia enquanto caminhava o quanto tudo foi mais significativo depois que conheci os meninos. No fim da tarde fomos a praça de frente para escola, o João percebeu que a escola estava aberta então fomos até lá, o parquinho, os laboratórios, tudo nos fazia lembrar o Miguel e o Michel, naquele momento o João sofria comigo, meu coração apertou quando imaginei que em pouco tempo toda aquela dor seria só minha.
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Amanheceu e o medo que eu sentia, só cresceu ainda tínhamos um dia, depois de hoje eu acordaria sem dois amigos, pensar nisso me fez sentir uma raiva enorme não sei de que, por um instante pensei que fosse dos meninos, mas não meus sentimentos se confundiram e minha cabeça não estava boa para entender o que eu sentia naquela hora. Eu levantei, que era cedo eu facilmente percebi, minha mãe ainda dormia e estava um pouco escuro, mas quando percebi que o relógio marcava quatro e cinqüenta da manhã, me perguntei se isso ia acontecer muitas vezes, acordar as cinco e cinqüenta não é tão significante, desde que você não tenha dormido as três e quarenta. Eu quase não dormi naquela noite.
Acho que ainda não contei, mas antes de conhecer o Miguel, o Michel e o João o meu maior medo era viver sozinho, eu nunca fui o sujeito mais sociável da família, nem primo eu tive por perto, meus tios sempre viveram longe, por isso eu cresci sozinho, filho único e incompreendido, meus pais não perceberam o mal que me causaram ao me fazerem crescer sem irmãos e sem amigos, nunca conheci pais mais super protetores que os meus, todo mundo representava riscos e parecia que até eles, pois nunca participaram da minha infância, eu cresci sozinho, e você não imagina o quanto doe lembrar que no meu quarto, e repito: sozinho, eu descobri tudo que eles deveriam me ensinar, teoria só na escola, na minha vida tudo que aprendi foi prática, a única coisa que meu pai me ensinou foi que a babá que cuidou de mim até os treze anos ia cuidar de mim e que eu tinha que obedecê-la por que o papai e a mamãe tinham que trabalhar. Eu não aprendi a fazer amigos, os meninos me ensinaram, quando o Miguel tomado de pena se aproximou de mim e me ofereceu sua amizade e uma turma. Eles me ensinaram a ser gente, ninguém é gente sozinho. Eu tenho dezoito anos e meus pais continuam na mesma rotina, nós só dormimos na mesma casa tem dias e por incrível que pareça tem dias que eu não vejo nem mãe, nem pai. Estou em choque eles eram as únicas pessoas que eu realmente convivia, eles só não me deixaram entender que eu precisava aprender a trazer pessoas para perto de mim, e vão embora sem me ensinar.
Minha mãe levantou eu já estava na sala, para seu espanto eu havia cordado antes da Maria a empregada me acordar, ela preferia deixar as tarefas mais difíceis da casa para ela. Uma coisa boa aconteceu naquele dia, algo que raramente aconteceu na minha vida, minha mãe sentou comigo e se interessou pelo que eu estava sentindo.
- O que houve meu querido, está doente? Está sentindo alguma coisa? Por que acordou tão cedo?
Minha mãe aprendeu a não perder tempo entre uma pergunta e outra, ela não parava nem para respirar, se eu quisesse responder que juntasse todas as informações e também respondesse da forma mais compacta possível. Detalhe, ela não suporta repetir o que disse, diz que é qualidade fundamental para a profissão que exerce, ela é dona de uma fábrica de confecção.
- Não houve nada ainda, mas minha vida toda vai mudar.
-Por que terminou com a namorada?
- Terminei com a namorada há um ano...
Ela não escondeu o constrangimento, nem eu escondi o riso de quem queria dizer com aquilo que ela não me conhecia. Eu justifiquei naquela hora a atenção que cobrava dela, nas poucas vezes que nós nos encontrávamos no café da manhã.
- Desculpe filho, eu sei que estive um pouco ausente, mas você sabe tudo que você tem hoje só teria nestas condições.
- Eu não pedi nada do que eu tenho, mas também não aprendi a cobrar a atenção de vocês mãe, eu sempre fui muito conformado com essa situação, não estou dizendo que sou feliz com ela, até por que quando, quando estar sozinho doeu forte, eu conheci os meninos, na verdade eles é que me conheceram, mas agora eles vão embora e a dor voltou quase suportável... - nesta hora percebi que minha mãe estava incomodada por perceber que o relógio já marcava seis e dez, ela já deveria estar pronta para o trabalho ou chegaria atrasada mesmo sendo ela a patroa nunca cogitou chegar atrasada, mesmo que fosse por mim – Vai mãe eu vou ficar bem, o que estou sentindo é saudade de amigo não de mãe.
Ela me beijou e foi, eu esperei que naquela hora ela decidisse não ir trabalhar, mas não naquele dia nem café ela tomou, se trocou e foi, por não ter tomado café ela foi mais cedo.
Eu deitei no sofá e tentei pensar em outra coisa, não deu, fui tomar um banho para acordar e esperar um dos meninos me ligarem o que não aconteceu, terminei o café e ansioso pelo dia que ainda tínhamos pela frente liguei para o João.
- E aí, o que vamos fazer hoje?
- O Michel me ligou e pediu para dizer que não vai rolar de sairmos hoje, eles foram visitar uma tia, vão passar o dia por lá, talvez a noite eles estejam aqui.
- E você? – Perguntei na desapontado – Eu estou disponível, posso passar o dia com você? Na sua casa mesmo!
- Claro, pode vir...
Ainda me restava um amigo, não sei por quanto tempo, o João não disse quando iria, então curtir os últimos dias com ele é o que importava e o que me restava.
Ele chegou as oito e eu estava assistindo televisão, na verdade eu só estava sentado na frente dela, estava passando um daqueles programas divulgando um produto redutor de peso.
- Acho que você o único entre nós que não devia se preocupar em ganhar peso Cayo...- O João tentou me arrancar um sorriso.- O produto é bom, viu essa mulher de 100kg perdeu 20kg em duas semanas, quer perder quanto?
Ele nunca foi bom contando piada, mas como sempre o João não se importava como ia se sair se tivesse que fazer ele fazia, lembro que até dançar ele dançou foi o que sobrou para ele em uma gincana na 6º série, eu cantei o Michel e o Miguel tocaram e como ele não tocava nada, nem muito menos cantava, ele dançou, tentou pelo menos nossa turma ganhou a gincana, para ele isso era o que importava. O João sempre foi muito calada, eu pensava ser timidez, mas não, agora lembrando tudo que ele já fez eu começo a ver o João que simplesmente acreditava nele, ele nunca questionou por que sempre foi muito seguro. Que inveja eu senti naquele momento, como eu queria ser tão confiante quanto o meu amigo, que mesmo não fazendo as coisas com muita perfeição, fazia, o não saber nunca o impediu de fazer qualquer, naquele momento eu entendi o que ele quis dizer com “o importante era se divertir”, nós sempre o corrigíamos, para nós o importante era competir, para João precisava ficar bem claro que o que ele buscava era se divertir, o que pode não acontecer quando nossa intenção é competir, agora eu entendi por que nós sempre brigamos quando perdemos, sempre tinha alguma coisa para reclamar do juiz no futebol, dos jurados nas gincanas, da professora nas olimpíadas de português ou matemática, mas o João sempre calado, ele se divertia sempre. Conversamos sobre isso até as dez da manhã, quando começamos a ver um álbum de fotografia, foi quando eu, talvez pela primeira vez, disse para o João o tamanho da importância deles para minha vida, eles estavam comigo na minha primeira comunhão, no meu crisma, no baile de 9º ano e no meu aniversário de 18 anos.
-Claro que nós estaríamos, nós passamos por tudo isso juntos, Cayo.
Foi quando eu mostrei que meus pais não estavam presentes em nenhum desses momentos, religião e escola são duas coisas que eles supervalorizam, mas nos momentos eu que eu de certa forma dizia que pensava como eles, eles não estavam lá comigo.
- Está vendo por que tudo vai ser mais difícil para mim, eu não aprendi a trazer pessoas para minha vida, e aí quando eu conheci vocês, digo, quando vocês me conheceram eu me acostumei e achei que não precisava aprender, agora vocês vão embora eu eu de novo estou sozinho, sem pais e sem amigos.
- Se eu na tua vida e sair dela agora sem ter te ajudado a ser melhor, para mim não valeu a pena. Olha Cayo, eu tenho certeza que vai ser diferente, você pensa que não aprendeu a aproximar pessoas, mas não afastar é tudo que você precisa saber, amigos se aproximam mutuamente, ou você pensa que nós também não precisamos te dar permissão, nós só chegamos por que você não nos mandou embora, tem gente que sabe chegar mais e tem gente que sabe deixar chegar as duas coisas precisam acontecer, assim começa uma amizade.
- Será que vão querer chegar?
- Você é um cara legal, muita gente já quis. Agora você sabe deixar que se aproximem de você, acredita vai ser diferente.
Já eram duas da tarde, o João lembrou que havia trago alguns filmes para assistirmos, escolhemos o A Rede Social, na internet nós não íamos no separar.
- Cuidado para não virar nerd do tipo que só tem amigo na internet...
- Você sabe que mensageiro instantâneo não é minha praia, rede social é o bastante para mim.
O filme terminou e poucos minutos depois o Michel me ligou e disse que ia passar a noite na casa da tia deles pediu que não fosse à escola no dia seguinte por que a viagem estava marcada para as dez da manhã. Finalmente eu tive coragem de perguntar por data ao João.
- E você João, quando vai?
- Também não vai demorar acho que na semana que vem.
- É está na hora de eu começar a me acostumar, amanhã eu me despeço de dois semana que vem do último e finalmente só, de novo...
- Sabe o que realmente importa? – O João me interrompe incomodado, ele queria dizer algo que me deixasse menos triste, e disse – Eu acredito que nós temos que ir, finalmente cara, você está tendo que aprender, não por acaso, como sempre aconteceu na tua vida, teus pais nunca te preparam para nada, nós sim, a teoria nós te ensinamos, nós vivemos, agora é hora de pôr em prática, eu realmente acredito que você não é o mesmo que conhecemos, nós crescemos, eu não sou mais o mesmo, você não é, agora é hora de viver as coisas do jeito certo, assim como a  águia precisa empurrar seus filhotes do ninho para que eles alcem voou, é tua vez, nós não podemos voar com você, o que realmente importa é que nós entramos na tua vida e ela agora é diferente, ela, você, nós somos diferentes, somos melhores, e só somos por que vivemos, sofremos, nos alegramos, lutamos, perdemos e vencemos, tudo isso juntos,  mas para que a riqueza dos frutos de tudo isso seja experimentado é necessário que as circunstâncias no separe. Você vai se dar bem, eu tenho certeza...
O João me abraçou como meu pai nunca me abraçou, ele estava preocupado comigo, eu sabia o que eu estava sentindo, compreendia o meu medo, eu me senti seguro, o João me disse tudo que minha mãe deveria ter dito naquela manhã, mas ela não teve tempo.
Naquele dia os sentimentos ainda estavam muito confusos, a noite chegou o João teve que ir para casa e eu fiquei sozinho a Maria foi também mais cedo, e meus pais resolveram ficar a te mais tarde nos seus trabalhos, eu acho, minha mãe, com certeza, estava com muito trabalho atrasado, na semana quando a via em casa ela sempre dizia que domingo não iria fazer hora extra, não sei que domingo, ele nunca chegou. Bem,  já meu eu não sei o que ele foi fazer no trabalho, parece que tinha uma reunião, mas eu estou cada dia mais convencido de que meu pai não gosta mesmo de casa, é certo que a esposa que tinha fazia todo esforço possível para também não estar em casa, sobrava eu e normalmente em silêncio, era um lugar perfeito para estudar, e tocar violão, mas naquele dia eu queria um som que pusesse minha cabeça no lugar ou a tirasse de vez, então fui a sala e liguei o som no volume máximo, Rosa de Saron era, cada música cada grito na voz do Guilherme me fazia acreditar que amanhã se o sol nascer tudo estaria no lugar, cada dor no lugar e isso me enchia de alegria, por que a dor só insuportável quando não sabemos onde ou o que realmente doe.
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Resolvemos então que esses quase dois dias seriam nossos, e foi. Começamos a gastar o pouco tempo que tínhamos no almoço, ou lanche já que resolvemos comer na lanchonete do Seu Emanuel. No cardápio nada além de batata frita, pois a paixão pelo prato era comum aos quatro. No pedido Muita batata e muito refrigerante. Saímos rindo como sempre, parecíamos bêbados rindo de tudo que nos lembramos durante o “almoço” e rimos mais ainda quando percebemos a camisa do Miguel encharcada do óleo da batata, ninguém segurou a gargalhada quando ele resolveu limpar com o resto de refrigerante, manchando mais ainda a camisa. Saímos da lanchonete quase três horas da tarde, e fomos à praça em frente a escola onde marcávamos tudo, tudo mesmo, percebemos que até o banco no lado direito da praça, o menos exposto e iluminado, já tinha nossa cara, o primeiro beijo, o primeiro pedido de namoro, o primeiro término de namoro, dos quatro, tudo aconteceu ali, sempre tendo o Michel encabeçando a lista, quando todos nós lembramos as histórias em torno daquela praça, daquele banco, percebemos o quanto ele também foi importante.
O Sol naquela hora já anunciava o fim do dia e eu lembrei, que por mais forte que quisesse parecer ser, o Michel também tinha seus momentos de fraqueza, ele dizia que se guardasse com ele todo o sentimento ruim, é possível faltar espaço para a fortaleza de que ele se despia para nos vestir quando nós estávamos fracos.
O ponto mais alto da cidade era lá que o Michel se mostrava limitado como nós, mas era lá também onde ele restaurava as forças, o ânimo e a capacidade de ser maior que nós sempre. E fomos terminar o dia lá, o Michel conhecia cada detalhe daquele lugar e narrou com riqueza de detalhes o pôr do sol mais esplendoroso que já vimos. Descobrimos um novo talento no nosso amigo, ele observa profundamente cada detalhe, e talvez isso o faça especial, ele tem a capacidade de ver o que não vemos. Sua narração foi interrompida pelo toque irritante do celular do Miguel, era seu pai:
- Oi pai!... O quê?
- Mais notícia ruim...
- O que foi dessa vez?- O Michel perguntou.
- O papai não avisou, não perguntou nada a nós, disse que foi por que estava esperando uma certeza... Ele tem a certeza agora  de que não é só você que vai embora Michel, o papai vendeu nossa casa e já comprou outra em Fortaleza, nós vamos com você...
O Miguel parecia mais conformado, ele não ia se separar do irmão nós, eu e o João ficamos chocados com  a notícia.
- Agora somos só nós dois, João.
-É – O João respondeu timidamente,parecia esconder alguma coisa. Ele não suportou a pressão do momento e por um longo tempo chorou, sem dizer nada embora perguntado várias vezes sobre os reais motivos das lágrimas, não era só por causa da mudança dos meninos, nós já estávamos conformados.
Depois de incríveis trinta minutos chorando e sem nada falar, o João respira fundo e confessa:
- Eu descobri semana passada que meus pais também vão ter que viajar meu pai passou em uma prova e vai trabalhar fora agora, a empresa vai contratar minha mãe também e assumir os gastos com escola e faculdade futuramente, eu também vou ter que ir, desculpem ter guardado essa informação até agora, me fez muito mal esconder isso de vocês, mas...
Na companhia dos melhores amigos do mundo e vivendo um dos dias mais incríveis da minha vida, de repente eu me senti o cara mais sozinho da face da terra, e sem dizer nada eu fui para casa, aquela noite foi a mais longa de todas, eu não consegui dormir pensando em como seria minha vida daquele dia em diante.
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O João chegou rápido parecia muito preocupado, ele poucas vezes era tão pontual, o que aumentou mais ainda o frio angustiante que sentia na barriga, em poucos minutos chegamos à casa dos meninos.
O Miguel nos atendeu e mandou-nos entrar, ele parecia triste por isso ficamos paralisados na porta, então o João, para quebrar o silêncio que se fez na porta, pediu licença para entrar.
- O que está acontecendo?- Eu perguntei.
- Pergunta o Michel...- Disse o Miguel confundindo nossa cabeça, ele agora parecia está raivoso.
O Michel chegou, nos cumprimentou e disse:
- Acho que vocês não estão entendendo nada, não é?
-Com certeza- Eu e o João respondemos simultaneamente.
O Miguel saiu da sala.
- O Miguel não está aceitando, mas eu preciso começar minha vida- ele emudece como quem segura as palavras para que o choro não as acompanhe.
-O que está acontecendo cara?- Eu disse- Nós continuamos sem entender, sem poder fazer nada para ajudar.
- Vocês não podem ajudar, nem precisa, o que aconteceu foi que... eu passei no vestibular, e as aulas começam na semana que vem em Fortaleza, a matrícula é na segunda.
-E você vai? Eu disse sem conseguir esconder minha tristeza e tentando calar meu desejo egoísta de ele não decidir ir embora.
Miguel é uma espécie de pai para nós, de certa forma nós não estamos perdendo só um amigo, ele é mais que isso, a diferença de idade entre nós não é grande, dois anos apenas, mas tudo que nós vivemos ele viveu primeiro, então tinha muito pra nos ensinar.É muito forte a ligação que nós temos com ele, nem o pai do Miguel era visto por ele como ele via o Michel.
 A raiva de Miguel até o momento incompreendida por nós começou a tomar conta de mim naquele momento, sem perceber eu me vi tomado por uma montanha de outras opções que o Michel poderia escolher, e acabei por alguns segundos acreditando que ele não precisava ir embora se quisesse. No longo silêncio que se fez naquela sala, eu analisei todas as outras possibilidade e vi que nenhuma delas era madura o bastante, daí eu percebi o quanto a vida é cruel, assim como a mãe-passarinho precisa fazer o filhote aprender a voar voando, o nosso melhor amigo precisava ir. Por que os amigos têm que dá certo longe d’a gente? Eu me perguntei, eu parecia mais maduro depois daquele silêncio e abracei o Michel, que também abraçou o João. O Miguel depois de uma conversa que disse ter tido na cozinha com sua mãe também se uniu a nós no abraço mais forte e mais significante de todos, acho até que nunca nos abraçamos, tapinha nas costas era o mais próximo de um abraço, mas agora despidos de todo o machismo nós só queríamos aproveitar cada segundo daquele dia, daquele abraço, daquele amigo.
Só tínhamos o resto do sábado e o domingo. Depois disso eu, Miguel e o João tínhamos que aprender a voar sozinhos, naquele momento eu me imaginei no ninho sendo jogando pela mãe-pássaro, nós tínhamos asa, podemos voar e o Michel em um longo discurso naquela sala, o melhor e maior que ele já fez, nos fez acreditar nisso. Mas o dia não terminou e resolvemos viver os dois dias mais incríveis da nossa vida até então.
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CaíPrazer, eu sou Cayo e para que esta estória comece tem algumas pessoas que vocês precisam conhecer. Na verdade para que qualquer história comece é fundamental e até indispensável, que o ser humano conheça alguém, monólogo é ficção, só existe no teatro, não na vida real. Eu descobri isso aos quinze anos quando conheci o Michel, o Miguel e o João. Antes eu ria de piada sem graça que via na televisão por não ter motivos mais importantes ou verdadeiramente engraçados para rir, quando eu os conheci eu continuei rindo de piadas sem graça, mas agora as piadas parecem fazer  sentido, não sei se acontece com você, mas muitas vezes eu rio de quem conta a piada, e lógico rio do momento que pincela a piada e dá a graça que ela não teria em outra situação.
Michel é o mais experto da turma, o mais inteligente, por ser mais velho terminou os estudos um ano a nossa frente, Aff... Nós ainda estamos na escola, ele não estudou conosco, mas sempre nos ajudou com os trabalhos da escola. Seu irmão Miguel se acha muito forte, é o defensor da turma, ele diz, até consegue nos livrar de alguns perigos com a galera da escola, mas é sempre na conversa, nunca usou a força, tem o João que é o calado e por fim eu, o mais complexo, talvez você me compreenda, talvez não, é o risco que todos correm ao me conhecer. A verdade é que depois de descobrir que precisava de companhia eu me tornei quase dependente desses caras e o bacana é que isso é recíproco, nós somos cúmplices em tudo, brigamos muito até, mas sempre rimos depois de superar. O João é que sempre diz que podemos rir, mas devemos respeitar o tempo da mágoa, acredito que é por isso que somos amigos até hoje, nós nunca escondemos ferida aberta, então se começamos a brincar com o que aconteceu ele sempre pergunta se realmente superamos.
Bem é hora da estória começar...
06h45min, sábado, todo mundo cansado da semana sobrecarregada de atividades, Michel no celular, a musica/toque é boa então para dormir mais um pouco eu prefiro acreditar que não é ninguém importante, ou que a música que eu gosto está tocando no radio que o vizinho sempre liga as cinco da manhã, na semana até me ajuda a acordar, mas no sábado ele não liga e depois de três tentativas frustradas, na quarta chamada eu resolvo atender a ligação. Não é legal acordar sentindo vontade de matar alguém, por isso sem encontrar uma palavra melhor atendo dizendo:
-Eu te perdoo, o que quer em pleno sábado, seis e cinquenta da madrugada, Michel?
- Vem aqui em casa, e traz o João.
Sem dizer mais nada ele desligou, acho que não gostou de ter demorado a atendê-lo, fiquei curioso por que sábado nós sempre nos víamos a noite, de manhã nós dormíamos, não no caso do Miguel, esse tirava a manhã e a tarde para dormir, o cara acordava às quatro da tarde.
Sete da manhã e o João me liga:
- Você sabe o que está acontecendo com o Michel?
- Não, por que?
-Ele me ligou agora, o que já não é normal, e parece que ele tinha chorado, o que também é impossível acontecer se não houver um motivo muito forte.
-Ele me ligou também e senti que ele estava diferente mesmo, mas também não me disse nada além de pedir que eu fosse com você na casa dele, vamos agora?
-Sim, eu passo ai.
Poucas vezes choramos, e o Michel parecia querer ostentar o título de durão, não por querer ser superior, ele até é, sua maturidade diante da nossa o fazia modelo para nós, mas ele se revestia de durão para que nós nunca perdêssemos o ânimo, foi sempre assim, parecia pai, o forte que não sofre, nem sente dor por que tem gente para cuidar, ele não se achava no direito de sofrer junto, ele sempre sofria sozinho e depois, porém hoje foi diferente, ele sofreu primeiro, Por quê?
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Tem gente que escreve para vender, tem gente que escreve para ficar famoso, tem gente que escreve para desabafar, denunciar e tem gente que escreve sem saber para quê, esse sou eu, acho que procurar um motivo para escrever é o mesmo que procurar motivo para ler, se você pensar por que está lendo, talvez você pare, não há uma razão tecnicamente produtiva. Não que eu concorde, mas é assim como as pessoas veem a leitura hoje, um passa tempo, ou perda de tempo, o que se ganha é pouco ou nada diante do que ganhamos trabalhando, mas é interessante como se perde noites vendo reality show, ahr... Tão produtivo!
Escrevo por escrever, ou por prazer? Talvez para dizer o que não sou, ou queria ser?  Prefiro não saber os reais motivos eles podem dizer muito pouco do que realmente sinto agora, os motivos podem dizer muito pouco diante do que ganhamos perdendo ao escrever ou ler. Você vai ler este livro? Espero que sim, e espero mais ainda que não tenha ou não procure motivos para lê-lo, prefira sentir o prazer inexplicável de fazer sem saber por que, sinta se a criança que aprende por acidente.
Talvez você se identifique, talvez não. Talvez a leitura te faça triste, ou não. Talvez você queira mudar a história, talvez não. Digo isso para que você se encante antes pela mágica das incertezas. Que te encante o chão incerto do quem vem pela frente, experimente o medo prazeroso de não saber o que vai acontecer, mas prove do sabor inverso ao amargo pessimismo que os outros preferem, acredite que o que está no escuro não é o monstro, o escuro pode esconder o pai ou a mãe que vem nos ninar, acredite, você não é outro, é você.  
Que essa leitura te faça bem, essa é a minha intenção (intenção não é motivo) e acho que se quisesse um motivo, um bom seria escrever para te fazer bem, mas reafirmo, prefiro não ter motivos.

Ah... e  se me perguntarem para quem escrevo, digo que também prefiro não ter um público, quero todos...
Se não deu certo hoje, "Amanhã, se o sol nascer " eu começo tudo de novo, "Amanhã, se o sol nascer " recomece também.

Tenha um excelente leitura
Wilson de Souza