Antes de ir para o quarto, era nove da noite e ainda estava sozinho, resolvi deixar um bilhete na geladeira avisando da viagem dos meninos e que não iria à escola na manhã seguinte.
Amanheceu, na noite que findou eu consegui dormir, talvez de cansado, mesmo menos agitado com tudo que o João havia dito, o sono só me venceu quando meu corpo se viu exausto.
Acordei com minha mãe fazendo o que ela nunca tinha tempo para fazer, se despedindo de mim.
- A mamãe já está indo, você vai ficar bem? Eu sei que os meninos estão indo embora hoje, eu li o recado na geladeira... – Ela me beijou como se quisesse me consolar – Você vai ficar bem mesmo?
Disse que sim, mesmo tendo dúvidas, mas se dissesse que não, ia ser do mesmo jeito, foi sempre assim, a Maria é que sempre me ouvia, depois de muitas conversas ela me confessou que inúmeras vezes me procurou para conversar por que era a primeira recomendação da minha mãe. Naquela manhã foi à Maria que eu confessei meu medo de ficar sozinho de novo.
Nove e meia, se eu quisesse me despedir dos meninos já era a hora. Quando cheguei na casa deles o João já estava lá, nos abraçamos e desejei sorte para os dois, foi só o que eu consegui dizer, queria ser forte e se fortaleza significa não chora eu fui, mas se ser forte é não sentir uma força te comprimindo por dentro , então eu não fui por que a cada segundo que passava no relógio meu coração ficava menor que as possibilidades. Eu não chorei, mas para isso não falei nada. Nem naquela hora nem o dia todo, o silêncio segurou minhas lágrimas. Ouvir também me faria desabar por isso também não vi o João depois disso, eu não queria chorar, como se isso fosse me fazer mais forte. Não, aquilo era um sofrimento desnecessário, a noite na minha cama bem mais cedo que de costume, eu lembrei que o Michel nunca nos pediu para parar de externar nosso sofrimento, ele nos fazia acreditar que aquilo não era o fim. No primeiro ano de nossa amizade no dia dos pais, houve uma comemoração na escola e todos os pais foram convidados, todos os alunos deveriam homenagear o seu, valia a nota de Ética e Religião e pela produção dos textos também receberíamos nota de produção textual, enfim eu fui obrigado a também escrever um texto, no dia todos os pais estavam lá, todos acompanhados de seus pais, eu não, meu pai esqueceu quando começaram as apresentações eu ainda resisti um pouco, mas sai da sala, o Michel me encontrou no corredor chutando os armários, ali eu o conheci do jeito que ele se tornou importante para mim, nós conversamos horas, sobre o direito que eu tinha de sentir raiva , de querer explicações, de exigir explicações, quando terminou a aula ele me deixou em casa, como disse. Nossa diferença de idade é de apenas um ano, mas mesmo assim o Michel parecia ter experiência de pai, ele saberá e será um bom pai. Eu chorei.
Nos dias seguintes eu já me preparando para também ficar sem o João, faltei aulas duas seguidas, na quinta feira o João me ligou avisando da prova de matemática, foi a minha primeira e única aula naquela semana na sexta seria feriado.
No sábado nove horas da manhã ainda estava dormindo, quando a Maria me acordou dizendo que um amigo estava me esperando, era o João ele não me esperou e subiu para o meu quarto.
- Que horas você terminou a prova Cayo? Eu sai dez e quarenta e você parecia ainda ter muitas questões para fazer?
- É, confesso que não consegui me concentrar, mas deu tudo certo, acho que vou ter boa nota...
-Achei que você estava me evitando, nós ainda temos uma semana até que eu vá embora, Cayo.
- Eu estava sim, queria ver se vou suportar voltar a ser o esquisito que eu era antes.
- E então?
- Ainda não tenho certeza.
-Vai levanta , vamos sair
- Para onde vamos?
-Qualquer lugar, embora já tenha algumas idéias boas para o dia de hoje. Vamos no caminho a gente decide.
- Você se responsabilize, eu não estou em condições de decidir nada.
- Está bem, vamos.
Já era onze horas quando eu finalmente estava pronto para sair. Sem rumo nós achamos que a primeira coisa a se fazer era matar a fome, então fomos almoçar de novo na lanchonete do Seu Emanuel, no cardápio novamente grandes porções de batata frita para recordar os velhos tempos. Depois disso conversamos caminhando na rua que crescemos e que conhecíamos tão bem. Eu percebia enquanto caminhava o quanto tudo foi mais significativo depois que conheci os meninos. No fim da tarde fomos a praça de frente para escola, o João percebeu que a escola estava aberta então fomos até lá, o parquinho, os laboratórios, tudo nos fazia lembrar o Miguel e o Michel, naquele momento o João sofria comigo, meu coração apertou quando imaginei que em pouco tempo toda aquela dor seria só minha.
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