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Resolvemos então que esses quase dois dias seriam nossos, e foi. Começamos a gastar o pouco tempo que tínhamos no almoço, ou lanche já que resolvemos comer na lanchonete do Seu Emanuel. No cardápio nada além de batata frita, pois a paixão pelo prato era comum aos quatro. No pedido Muita batata e muito refrigerante. Saímos rindo como sempre, parecíamos bêbados rindo de tudo que nos lembramos durante o “almoço” e rimos mais ainda quando percebemos a camisa do Miguel encharcada do óleo da batata, ninguém segurou a gargalhada quando ele resolveu limpar com o resto de refrigerante, manchando mais ainda a camisa. Saímos da lanchonete quase três horas da tarde, e fomos à praça em frente a escola onde marcávamos tudo, tudo mesmo, percebemos que até o banco no lado direito da praça, o menos exposto e iluminado, já tinha nossa cara, o primeiro beijo, o primeiro pedido de namoro, o primeiro término de namoro, dos quatro, tudo aconteceu ali, sempre tendo o Michel encabeçando a lista, quando todos nós lembramos as histórias em torno daquela praça, daquele banco, percebemos o quanto ele também foi importante.
O Sol naquela hora já anunciava o fim do dia e eu lembrei, que por mais forte que quisesse parecer ser, o Michel também tinha seus momentos de fraqueza, ele dizia que se guardasse com ele todo o sentimento ruim, é possível faltar espaço para a fortaleza de que ele se despia para nos vestir quando nós estávamos fracos.
O ponto mais alto da cidade era lá que o Michel se mostrava limitado como nós, mas era lá também onde ele restaurava as forças, o ânimo e a capacidade de ser maior que nós sempre. E fomos terminar o dia lá, o Michel conhecia cada detalhe daquele lugar e narrou com riqueza de detalhes o pôr do sol mais esplendoroso que já vimos. Descobrimos um novo talento no nosso amigo, ele observa profundamente cada detalhe, e talvez isso o faça especial, ele tem a capacidade de ver o que não vemos. Sua narração foi interrompida pelo toque irritante do celular do Miguel, era seu pai:
- Oi pai!... O quê?
- Mais notícia ruim...
- O que foi dessa vez?- O Michel perguntou.
- O papai não avisou, não perguntou nada a nós, disse que foi por que estava esperando uma certeza... Ele tem a certeza agora  de que não é só você que vai embora Michel, o papai vendeu nossa casa e já comprou outra em Fortaleza, nós vamos com você...
O Miguel parecia mais conformado, ele não ia se separar do irmão nós, eu e o João ficamos chocados com  a notícia.
- Agora somos só nós dois, João.
-É – O João respondeu timidamente,parecia esconder alguma coisa. Ele não suportou a pressão do momento e por um longo tempo chorou, sem dizer nada embora perguntado várias vezes sobre os reais motivos das lágrimas, não era só por causa da mudança dos meninos, nós já estávamos conformados.
Depois de incríveis trinta minutos chorando e sem nada falar, o João respira fundo e confessa:
- Eu descobri semana passada que meus pais também vão ter que viajar meu pai passou em uma prova e vai trabalhar fora agora, a empresa vai contratar minha mãe também e assumir os gastos com escola e faculdade futuramente, eu também vou ter que ir, desculpem ter guardado essa informação até agora, me fez muito mal esconder isso de vocês, mas...
Na companhia dos melhores amigos do mundo e vivendo um dos dias mais incríveis da minha vida, de repente eu me senti o cara mais sozinho da face da terra, e sem dizer nada eu fui para casa, aquela noite foi a mais longa de todas, eu não consegui dormir pensando em como seria minha vida daquele dia em diante.
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O João chegou rápido parecia muito preocupado, ele poucas vezes era tão pontual, o que aumentou mais ainda o frio angustiante que sentia na barriga, em poucos minutos chegamos à casa dos meninos.
O Miguel nos atendeu e mandou-nos entrar, ele parecia triste por isso ficamos paralisados na porta, então o João, para quebrar o silêncio que se fez na porta, pediu licença para entrar.
- O que está acontecendo?- Eu perguntei.
- Pergunta o Michel...- Disse o Miguel confundindo nossa cabeça, ele agora parecia está raivoso.
O Michel chegou, nos cumprimentou e disse:
- Acho que vocês não estão entendendo nada, não é?
-Com certeza- Eu e o João respondemos simultaneamente.
O Miguel saiu da sala.
- O Miguel não está aceitando, mas eu preciso começar minha vida- ele emudece como quem segura as palavras para que o choro não as acompanhe.
-O que está acontecendo cara?- Eu disse- Nós continuamos sem entender, sem poder fazer nada para ajudar.
- Vocês não podem ajudar, nem precisa, o que aconteceu foi que... eu passei no vestibular, e as aulas começam na semana que vem em Fortaleza, a matrícula é na segunda.
-E você vai? Eu disse sem conseguir esconder minha tristeza e tentando calar meu desejo egoísta de ele não decidir ir embora.
Miguel é uma espécie de pai para nós, de certa forma nós não estamos perdendo só um amigo, ele é mais que isso, a diferença de idade entre nós não é grande, dois anos apenas, mas tudo que nós vivemos ele viveu primeiro, então tinha muito pra nos ensinar.É muito forte a ligação que nós temos com ele, nem o pai do Miguel era visto por ele como ele via o Michel.
 A raiva de Miguel até o momento incompreendida por nós começou a tomar conta de mim naquele momento, sem perceber eu me vi tomado por uma montanha de outras opções que o Michel poderia escolher, e acabei por alguns segundos acreditando que ele não precisava ir embora se quisesse. No longo silêncio que se fez naquela sala, eu analisei todas as outras possibilidade e vi que nenhuma delas era madura o bastante, daí eu percebi o quanto a vida é cruel, assim como a mãe-passarinho precisa fazer o filhote aprender a voar voando, o nosso melhor amigo precisava ir. Por que os amigos têm que dá certo longe d’a gente? Eu me perguntei, eu parecia mais maduro depois daquele silêncio e abracei o Michel, que também abraçou o João. O Miguel depois de uma conversa que disse ter tido na cozinha com sua mãe também se uniu a nós no abraço mais forte e mais significante de todos, acho até que nunca nos abraçamos, tapinha nas costas era o mais próximo de um abraço, mas agora despidos de todo o machismo nós só queríamos aproveitar cada segundo daquele dia, daquele abraço, daquele amigo.
Só tínhamos o resto do sábado e o domingo. Depois disso eu, Miguel e o João tínhamos que aprender a voar sozinhos, naquele momento eu me imaginei no ninho sendo jogando pela mãe-pássaro, nós tínhamos asa, podemos voar e o Michel em um longo discurso naquela sala, o melhor e maior que ele já fez, nos fez acreditar nisso. Mas o dia não terminou e resolvemos viver os dois dias mais incríveis da nossa vida até então.
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CaíPrazer, eu sou Cayo e para que esta estória comece tem algumas pessoas que vocês precisam conhecer. Na verdade para que qualquer história comece é fundamental e até indispensável, que o ser humano conheça alguém, monólogo é ficção, só existe no teatro, não na vida real. Eu descobri isso aos quinze anos quando conheci o Michel, o Miguel e o João. Antes eu ria de piada sem graça que via na televisão por não ter motivos mais importantes ou verdadeiramente engraçados para rir, quando eu os conheci eu continuei rindo de piadas sem graça, mas agora as piadas parecem fazer  sentido, não sei se acontece com você, mas muitas vezes eu rio de quem conta a piada, e lógico rio do momento que pincela a piada e dá a graça que ela não teria em outra situação.
Michel é o mais experto da turma, o mais inteligente, por ser mais velho terminou os estudos um ano a nossa frente, Aff... Nós ainda estamos na escola, ele não estudou conosco, mas sempre nos ajudou com os trabalhos da escola. Seu irmão Miguel se acha muito forte, é o defensor da turma, ele diz, até consegue nos livrar de alguns perigos com a galera da escola, mas é sempre na conversa, nunca usou a força, tem o João que é o calado e por fim eu, o mais complexo, talvez você me compreenda, talvez não, é o risco que todos correm ao me conhecer. A verdade é que depois de descobrir que precisava de companhia eu me tornei quase dependente desses caras e o bacana é que isso é recíproco, nós somos cúmplices em tudo, brigamos muito até, mas sempre rimos depois de superar. O João é que sempre diz que podemos rir, mas devemos respeitar o tempo da mágoa, acredito que é por isso que somos amigos até hoje, nós nunca escondemos ferida aberta, então se começamos a brincar com o que aconteceu ele sempre pergunta se realmente superamos.
Bem é hora da estória começar...
06h45min, sábado, todo mundo cansado da semana sobrecarregada de atividades, Michel no celular, a musica/toque é boa então para dormir mais um pouco eu prefiro acreditar que não é ninguém importante, ou que a música que eu gosto está tocando no radio que o vizinho sempre liga as cinco da manhã, na semana até me ajuda a acordar, mas no sábado ele não liga e depois de três tentativas frustradas, na quarta chamada eu resolvo atender a ligação. Não é legal acordar sentindo vontade de matar alguém, por isso sem encontrar uma palavra melhor atendo dizendo:
-Eu te perdoo, o que quer em pleno sábado, seis e cinquenta da madrugada, Michel?
- Vem aqui em casa, e traz o João.
Sem dizer mais nada ele desligou, acho que não gostou de ter demorado a atendê-lo, fiquei curioso por que sábado nós sempre nos víamos a noite, de manhã nós dormíamos, não no caso do Miguel, esse tirava a manhã e a tarde para dormir, o cara acordava às quatro da tarde.
Sete da manhã e o João me liga:
- Você sabe o que está acontecendo com o Michel?
- Não, por que?
-Ele me ligou agora, o que já não é normal, e parece que ele tinha chorado, o que também é impossível acontecer se não houver um motivo muito forte.
-Ele me ligou também e senti que ele estava diferente mesmo, mas também não me disse nada além de pedir que eu fosse com você na casa dele, vamos agora?
-Sim, eu passo ai.
Poucas vezes choramos, e o Michel parecia querer ostentar o título de durão, não por querer ser superior, ele até é, sua maturidade diante da nossa o fazia modelo para nós, mas ele se revestia de durão para que nós nunca perdêssemos o ânimo, foi sempre assim, parecia pai, o forte que não sofre, nem sente dor por que tem gente para cuidar, ele não se achava no direito de sofrer junto, ele sempre sofria sozinho e depois, porém hoje foi diferente, ele sofreu primeiro, Por quê?
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Tem gente que escreve para vender, tem gente que escreve para ficar famoso, tem gente que escreve para desabafar, denunciar e tem gente que escreve sem saber para quê, esse sou eu, acho que procurar um motivo para escrever é o mesmo que procurar motivo para ler, se você pensar por que está lendo, talvez você pare, não há uma razão tecnicamente produtiva. Não que eu concorde, mas é assim como as pessoas veem a leitura hoje, um passa tempo, ou perda de tempo, o que se ganha é pouco ou nada diante do que ganhamos trabalhando, mas é interessante como se perde noites vendo reality show, ahr... Tão produtivo!
Escrevo por escrever, ou por prazer? Talvez para dizer o que não sou, ou queria ser?  Prefiro não saber os reais motivos eles podem dizer muito pouco do que realmente sinto agora, os motivos podem dizer muito pouco diante do que ganhamos perdendo ao escrever ou ler. Você vai ler este livro? Espero que sim, e espero mais ainda que não tenha ou não procure motivos para lê-lo, prefira sentir o prazer inexplicável de fazer sem saber por que, sinta se a criança que aprende por acidente.
Talvez você se identifique, talvez não. Talvez a leitura te faça triste, ou não. Talvez você queira mudar a história, talvez não. Digo isso para que você se encante antes pela mágica das incertezas. Que te encante o chão incerto do quem vem pela frente, experimente o medo prazeroso de não saber o que vai acontecer, mas prove do sabor inverso ao amargo pessimismo que os outros preferem, acredite que o que está no escuro não é o monstro, o escuro pode esconder o pai ou a mãe que vem nos ninar, acredite, você não é outro, é você.  
Que essa leitura te faça bem, essa é a minha intenção (intenção não é motivo) e acho que se quisesse um motivo, um bom seria escrever para te fazer bem, mas reafirmo, prefiro não ter motivos.

Ah... e  se me perguntarem para quem escrevo, digo que também prefiro não ter um público, quero todos...
Se não deu certo hoje, "Amanhã, se o sol nascer " eu começo tudo de novo, "Amanhã, se o sol nascer " recomece também.

Tenha um excelente leitura
Wilson de Souza